"Dia das Crianças". Por que mesmo?
Tive uma infância das mais bacanas. Cresci em cidade do interior, brinquei muito de pega-pega, esconde-esconde, andei de bicicleta na rua, caí, quebrei o dente, engessei o braço, me lambuzei com picolé. Achava um salgadinho chamado "Skiny" a coisa mais gostosa do mundo, subia em árvore, brincava no parquinho, na piscina, brincava com meus irmãos, "brigava" com meus irmãos. Adorava um viradinho de banana que minha mãe fazia, assim como adorava ouvir o barulho das chaves do meu pai quando ele chegava em casa.Vocês devem estar se perguntando: qual o motivo deste "desabafo" saudosista?
Passamos por mais uma "Semana da Criança". Para os pimpolhos, a data é magnífica. Na escola, a semana toda é de atividades especiais: passeios, cinema, gincanas. E ainda tem o presente dos pais... melhor que isso, só Natal e aniversário!!! A mídia auxilia tal "furor", veiculando propagandas de fabricantes de brinquedos de toda a ordem. Os bancos entenderam o recado e anunciam: "Pense no futuro do seu campeão! Invista no Fundo de Previdência tal".
Agora crescida, vejo que a data, pelo menos aqui no Brasil, não serve para muita coisa além de aquecer o comércio. Existe, claro, quem aproveite a efeméride como gancho para turbinar ações de proteção à criança e ao adolescente, e para lembrar que o futuro dos pequenos deve ser construído por nós, adultos, no presente. Mas, cá entre nós, isso não corresponde a 10% do que vemos estampado em jornais, sites, blog, TV e afins.
O próprio retrospecto da data no país explica a dificuldade em fazer dela um diferencial para os pequenos, sobretudo, aqueles que jamais serão incluídos nas comemorações do "Dia das Crianças" por razões econômicas e sociais. Entenda: em 1920, o deputado federal Galdino do Valle Filho teve a iniciativa de criar um dia que homenageasse as crianças. A idéia foi aprovada e o dia 12 de outubro tornou-se o "Dia das Crianças" no Brasil, por meio de decreto assinado pelo presidente Arthur Bernardes, em 05 de novembro de 1924.
No entanto, a data só "pegou", de fato, em 1960, quando a Estrela - fábrica de brinquedos - fez uma promoção em parceria com a Johnson & Johnson, na intenção de dar um upgrade em suas vendas. Nasceu aí, a "Semana do Bebê Robusto". Outras empresas abraçaram a idéia e, então, a "Semana da Criança" também foi criada. Já em 1961, os fabricantes resolveram que ter um dia único para as promoções seria mais vantajoso e, assim, o decreto de 1924 caiu como uma luva. Desde então, a data é importante - e muito - para o setor de brinquedos. Viram só?
Em outros países do mundo também se comemora o dia dos pequenos. No entanto, a maior parte escolheu a data de 20 de novembro, reconhecida pela Organização das Nações Unidas (ONU) como Dia Universal das Crianças, em virtude da aprovação da "Declaração Universal dos Direitos da Criança", em 1959. Tal declaração é composta por dez princípios. Conheça-os ou relembre-os e decida por você próprio se nós, no Brasil, temos plenas condições de celebrar.
Toda criança tem Direitos:
Princípio I - À igualdade, sem distinção de raça religião ou nacionalidade: a criança desfrutará de todos os direitos enunciados nesta Declaração. Estes direitos serão outorgados a todas as crianças, sem qualquer exceção, distinção ou discriminação por motivos de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de outra natureza, nacionalidade ou origem social, posição econômica, nascimento ou outra condição, seja inerente à própria criança ou à sua família.
Princípio II - Direito a especial proteção para o seu desenvolvimento físico, mental e social: a criança gozará de proteção especial e disporá de oportunidade e serviços, a serem estabelecidos em lei por outros meios, de modo que possa desenvolver-se física, mental, moral, espiritual e socialmente de forma saudável e normal, assim como em condições de liberdade e dignidade. Ao promulgar leis com este fim, a consideração fundamental a que se atenderá será o interesse superior da criança.
Princípio III - Direito a um nome e a uma nacionalidade: a criança tem direito, desde o seu nascimento, a um nome e a uma nacionalidade.
Princípio IV - Direito à alimentação, moradia e assistência médica adequadas para a criança e a mãe: a criança deve gozar dos benefícios da previdência social. Terá direito a crescer e desenvolver-se em boa saúde; para essa finalidade deverão ser proporcionados, tanto a ela, quanto à sua mãe, cuidados especiais, incluindo-se a alimentação pré e pós-natal. A criança terá direito a desfrutar de alimentação, moradia, lazer e serviços médicos adequados.
Princípio V - Direito à educação e a cuidados especiais para a criança física ou mentalmente deficiente: a criança física ou mentalmente deficiente ou aquela que sofre da algum impedimento social deve receber o tratamento, a educação e os cuidados especiais que requeira o seu caso particular.
Princípio VI - Direito ao amor e à compreensão por parte dos pais e da sociedade: a criança necessita de amor e compreensão, para o desenvolvimento pleno e harmonioso de sua personalidade; sempre que possível, deverá crescer com o amparo e sob a responsabilidade de seus pais, mas, em qualquer caso, em um ambiente de afeto e segurança moral e material; salvo circunstâncias excepcionais, não se deverá separar a criança de tenra idade de sua mãe. A sociedade e as autoridades públicas terão a obrigação de cuidar especialmente do menor abandonado ou daqueles que careçam de meios adequados de subsistência. Convém que se concedam subsídios governamentais, ou de outra espécie, para a manutenção dos filhos de famílias numerosas.
Princípio VII - Direito á educação gratuita e ao lazer infantil: o interesse superior da criança deverá ser o interesse diretor daqueles que têm a responsabilidade por sua educação e orientação; tal responsabilidade incumbe, em primeira instância, a seus pais. A criança deve desfrutar plenamente de jogos e brincadeiras os quais deverão estar dirigidos para educação; a sociedade e as autoridades públicas se esforçarão para promover o exercício deste direito. A criança tem direito a receber educação escolar, a qual será gratuita e obrigatória, ao menos nas etapas elementares. Dar-se-á à criança uma educação que favoreça sua cultura geral e lhe permita - em condições de igualdade de oportunidades - desenvolver suas aptidões e sua individualidade, seu senso de responsabilidade social e moral. Chegando a ser um membro útil à sociedade.
Princípio VIII - Direito a ser socorrido em primeiro lugar, em caso de catástrofes: a criança deve - em todas as circunstâncias - figurar entre os primeiros a receber proteção e auxílio.
Princípio IX - Direito a ser protegido contra o abandono e a exploração no trabalho: a criança deve ser protegida contra toda forma de abandono, crueldade e exploração. Não será objeto de nenhum tipo de tráfico. Não se deverá permitir que a criança trabalhe antes de uma idade mínima adequada; em caso algum será permitido que a criança dedique-se, ou a ela se imponha, qualquer ocupação ou emprego que possa prejudicar sua saúde ou sua educação, ou impedir seu desenvolvimento físico, mental ou moral.
Princípio X - Direito a crescer dentro de um espírito de solidariedade, compreensão, amizade e justiça entre os povos: a criança deve ser protegida contra as práticas que possam fomentar a discriminação racial, religiosa, ou de qualquer outra índole. Deve ser educada dentro de um espírito de compreensão, tolerância, amizade entre os povos, paz e fraternidade universais e com plena consciência de que deve consagrar suas energias e aptidões ao serviço de seus semelhantes.
E então, podemos comemorar?
* Thaís Naldoni é jornalista, graduada pela Universidade Estadual Paulista (Unesp). Com passagens pela Folha Online e Sportv, também atuou como repórter e secretária de redação da Revista IMPRENSA. Atualmente, é editora-executiva do Portal IMPRENSA e apresentadora do programa "Imprensa na TV".
sábado, 11 de outubro de 2008
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